domingo, 25 de setembro de 2016

PRELÚDIO DO OCASO (Fabio Baptista)






O livro Prelúdio do Ocaso apresenta dez contos bem alinhados e mergulhados na fantasia. A linguagem esbanja clareza, humor e sensibilidade, aproximando o fantástico do verossímil. Missão fácil? Certamente não, mas o autor prova o seu talento a cada parágrafo. 

Uma espécie de mágica, obtida através das palavras muito bem manipuladas, transforma a leitura em uma viagem por um mundo encantado, onde se pode encontrar bardos, unicórnios, elfos, dragões, ninfas, goblins e orcs.  O leitor é convidado a conhecer um universo à parte, deixando-se conduzir por um caminho que julgava perdido em sua imaginação de criança. 

O livro começa com A Queda de Lenora Endriel, conto favorito do autor. Não é uma narrativa curta, mas depois de algumas poucas linhas, a trama revela-se uma ótima surpresa. Costumo resistir a contos longos que prometem muito e se arrastam em descrições e detalhes desnecessários. Não é o caso aqui, pois o texto ganha cores e ritmo mais contundentes à medida que a leitura avança. 

Embora o começo não seja tão interessante quanto o desenvolvimento, a trama prende a atenção e o final abre novas possibilidades que aguçam a curiosidade do leitor. O que acontecerá depois? A saga de Lenora continua? Espero que sim.


“Depois, todos seus sentidos renderam-se à escuridão.”

“É apenas um castigo. Dez anos passam rápido. Nesse tempo, espero que os livros coloquem em tua cabeça o juízo que minhas palavras não lograram êxito em colocar.”


Em Nome do Pai, o personagem Robert lida com as lembranças de infância e busca resgatar a memória e a honra de seu pai. Para isso, conta com a ajuda de um padre rabugento, sarcástico, responsável pelo toque de humor no conto.  Apesar da temática triste sobre a impossibilidade do relacionamento entre pai e filho, que mantêm um elo improvável, a leitura acaba provocando sorrisos. 

Pena de Fênix traz algumas considerações que servem tanto para humanos quanto para elfos, sempre com uma abordagem bem humorada da realidade/fantasia: 


Nosso coração também é de carne, e sangra todos os dias.

Melhor morrer sentindo-se vivo do que viver sentindo-se morto, não é?


Quando estiver tendo dificuldade em disfarçar uma lágrima no canto do olho, aconselho que leia A Princesa Dragão. Você vai chorar sim, mas agora de tanto rir. Pelo menos, foi o que aconteceu comigo quando li o conto pela primeira vez.

Há referências a contos de fadas, filmes, delírios transgênicos (opa, esse foi meu) que enriquecem o texto. Ficou claro que o autor não quis bancar o certinho coerente, obedecendo aos limites tempo/espaço. Dane-se a coerência! O tom de besteirol e as piadinhas despretensiosas aliviam qualquer fígado danificado pelo mau humor. O importante é se divertir, porque não está fácil pra ninguém, imagina para um elfo loirinho.

Mesmo que Custe sua Alma, conto que encerra a antologia, já empolga pelo título. Apesar do tema não me agradar, logo me interessei pelo enredo. Batalhas sangrentas, trolls fatiados, bruxa que já foi fada, muitos elementos para compor uma história de ação, tornando a epopeia de Alan Arunor  fascinante. Há, em todo a narrativa, uma aura cruel, condizente com a fama de escritor um tanto sádico de Fábio Baptista. 

Os demais contos são pequenas produções de um autor que prefere escrever usando elementos da fantasia e dos dramas cotidianos. Tenho lá minhas implicâncias com fantasia, mas desta vez, até me convenci a dar uma chance ao gênero. Graças ao seu estilo nada engessado, Fabio Baptista consegue apresentar ao leitor histórias que cativam e tiram o ar blasé de qualquer crítico mais exigente. 

Prelúdio do Ocaso promete (e cumpre) trazer novas experiências e sensações, ora emocionando, ora fazendo rir, e até mesmo despertando alguns instintos cruéis. Talvez, em algum momento, você também pense em esganar lentamente o autor. Mas quem poderá culpá-lo?  O que não vai acontecer é alguém permanecer indiferente à leitura. Ame ou odeie, mas, primeiro, leia o livro. Não vai se arrepender.  


Cotação: ****

 Onde comprar: http://amzn.to/2beQeEm

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS





Direção: Juan José Campanella
Gênero: Drama
Nacionalidades:  Espanha, Argentina

A primeira vez que vi este filme foi durante uma madrugada, daquelas mais tediosas e insones. Por acaso, estava zapeando os canais e comecei a assistir porque fiquei interessada no clima policial que já predominava desde o começo da história. O sono acabou chegando e acabei perdendo o final do filme. Claro que depois disso, corri atrás para descobrir como o drama terminava. E não me decepcionei nem um pouco. 

Baseado no livro no livro La Pregunta de sus Ojos, de Eduardo Sacheri, o filme O Se­gredo dos Seus O­lhos apresenta aspectos técnicos levados à excelência: o roteiro que trabalha a complexidade da trama com excursões entre passado e presente, a impressionante interpretação dos atores, a fotografia impactante, a trilha sonora assinada pelos compositores Federico Jusid e Emilio Kau­de­rer. Impossível resistir ao clima essa película que, com todo o mérito, ganhou espaço entre as mais sofisticadas produções do cinema latino-americano, destacando-se na história da cinematografia mundial. Ganhou o Oscar como o melhor filme estrangeiro de 2010, além do prêmio Goya de melhor filme do ano.

Em 1999, o oficial de justiça, já aposentado, Benjamin Espósito (Ricardo Darín) dedica-se a escrever um livro baseado em sua experiência profissional na área penal. Para o enredo do seu romance, escolhe um caso ocorrido em 1974: o estupro e assassinato de uma bela jovem. Buscando material para o seu livro, Espósito revê os dados do caso e acaba conhecendo Ricardo Morales (Pablo Rago), marido da falecida, a quem promete encontrar o culpado pelo crime brutal. Para alcançar seu objetivo, Benjamin Espósito conta com o auxílio do amigo alcóolatra, mas com tarimba profissional, Pablo Sandoval (Guillermo Francella), e também de sua chefe (e paixão secreta) Irene (Soledad Villamil). 

O filme transcende o gênero policial, pois sua trama desenvolve-se densa ao revelar o obscuro labirinto psicológico do protagonista. O romance que Espósito pretende terminar funciona como uma espécie de terapia. O processo criativo, ficção baseado em fatos reais, surge como necessidade de enfrentamento de seus conflitos e o força a reviver situações dolorosas do passado. O fracasso experimentado devido a um caso não resolvido e a culpa por suas promessas não cumpridas vêm à tona como temores que impedem o envolvimento emocional. 

O Segredo dos Seus Olhos não é um filme leve, feito para distrair e pronto. Trata de assuntos mais complexos, como a impossibilidade de se abandonar amores e promessas impunemente. Durante vinte e cinco anos, Espósito sublimou a paixão que sentia, mas esta não sumiu, só manteve-se em estado latente para explodir a qualquer momento. Como consequência desta fuga, o protagonista depara-se com um tremendo vazio existencial. Assim, ele tenta resgatar a história do crime não solucionado que se mescla a sua própria história pessoal. A renúncia ao amor impede a sua realização como homem e profissional.  

Um filme para se assistir com calma e tempo. Não há possibilidade de se entediar com a trama, nem passar indiferente pela história do complicado e interessante Benjamin Espósito, que nos faz rever nossos conceitos de liberdade e aprisionamento. Quais os crimes que nos levam à pena máxima? E qual a pior punição que se pode receber? O final do filme mostra que a prisão perpétua pode ser vista (e vivida) de uma forma muito subjetiva. 

O Segredo dos seus Olhos entra para o meu hall de filmes com etiqueta Uhuu, adorei.

Cotação: *****






quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A REDENÇÃO DO ANJO CAÍDO (Fabio Baptista)




Confesso que quando comecei a ler A Redenção do Anjo Caído, pensei: mais um livro sobre anjos. Não, não é mais um livro sobre anjos. É o livro. Melhor ou pior? Isso cabe a cada leitor decidir, mas posso contribuir compartilhando minhas impressões.

A saga do carismático Lúcifer divide-se em etapas bem definidas, como degraus desordenados: Paraíso, Inferno, Terra. Conforme o protagonista entra em um mundo, nota-se logo uma clara mudança de “pegada” no tom da narrativa. Tudo se transforma, o tempo todo, no universo do maior dos anjos.

Ao longo dos capítulos, consegui fazer uma interessante associação entre os acontecimentos narrados e os quatro elementos: ar, terra, água e fogo. Diz o autor que não foi intencional, mas está lá, os símbolos em quase todos os parágrafos, marcando a queda, o despertar e a esperada redenção do anjo caído.  

Os personagens são construídos de maneira linear, tecidos com os fios delicados de fantasia e cerzidos com resistente e áspero material cotidiano. Não há como não se sensibilizar com a personagem Gisele, a Giza. Encantadora malandrinha, o contraponto de Lúcifer. Misturados a anjos e demônios, surgem outros personagens bem simpáticos, sempre muito bem caracterizados, que me pareceram tão familiares como, por exemplo, a senhora da barraquinha de hot dog.  

Como definir Lulu, digo, Lúcifer, na sua trajetória terrena? Creio que essa será uma experiência bastante particular do leitor. O mais provável é que você encontre um anjo caído com tantas facetas, mesclando instintos de vingança, proteção e retomada de poder, que desista completamente de qualquer definição.  

Algumas passagens do livro beiram ao drama. Não, pensando bem, comem o drama pelas beiradas. Parágrafos inteiros abordam o caos externo e interno, com habilidade e talvez, como já disse alguém, toques de sadismo. O lado triste, infeliz, a parcela que nem o inferno aceitou. E não serei eu que revelarei se o autor poupou ou não as criancinhas. 

Há também momentos de poesia, com direito ao contraste da delicadeza da borboletinha amarela com um homem de proporções rinocerônticas. É melhor não se focar muito nessas passagens ou se arriscará a rotular o autor de “fofolete”. 

Uma das passagens mais comoventes do livro mostra que o Príncipe dos Anjos, apesar de toda a sua trajetória infernal, mantém a essência de criação divina, chegando a reconhecer a possibilidade de se aproximar dos seres humanos, os usurpadores do amor de Deus.

(...) sensação de que talvez não fosse assim tão difícil gostar dos humanos. 

A parte mais, digamos assim, terrena do romance foi a que mais me agradou. A identificação com os personagens e seus conflitos foi imediata. Por isso, senti um certo alívio quando notei que o autor não se alongou demais nos pormenores infernais. Chega a queimar, mas passa. 

A afiada caracterização dos personagens e a ótima descrição das relações criadas no novo cotidiano de Lúcifer fizeram com que eu me aproximasse mais da trama, e olhando bem de perto, ninguém é normal, nem o diabo é tão feio quanto dizem. E assim que assume o lado endiabrado, o leitor é capaz de apertar as mãos do narrador e dizer – Estamos juntos nessa!

Portanto, leitor, não se espante se, lá pela metade do livro, você se pegar torcendo pelo demônio. Aquiete o seu sentimento de culpa dizendo que, afinal, antes de tudo, Lúcifer é um anjo criado por Deus. Talvez isso funcione. Comigo, funcionou bem. 

Fabio Baptista também nos brinda, vez por outra, com cutucadas nem sempre sutis, em meio a frases irônicas e clichês bem colocados, despertando sentimentos tão humanos, daqueles que nos levam do céu ao inferno.  A perda de um amor, a morte de um amigo, a traição inesperada provam que nada mais será o mesmo, assim que se virar a página: 

(...) mesmo que uma ferida daquelas que demoram a cicatrizar estivesse aberta e as coisas estivessem um pouco (um pouco que incomodava muito) diferentes do que eram antes.

Adorei acompanhar a saga de Lúcifer, sua personalidade bipolar (anjo/demônio), ora caindo no drama, no inferno das emoções mais densas e rasteiras; ora tinindo em ironia e até revelando sentimentos e reações  que chegam a comover a mais insensível Claudia, digo, pedra.  

Apesar de tudo (sono, cansaço, as pragas do Egito reunidas, o apocalipse que é a vida de uma mãe de adolescente), não consegui parar de ler até chegar ao último ponto. Simples assim, gostei mesmo do livro, embora tenha praguejado algumas vezes contra o autor. Depois ele ainda se pergunta por que o Cupido está de mal...

Segundo consta nos autos, lendários ou não, o romance foi concluído sob algumas ameaças de morte. Valeu a “pena” do escritor e todas as noites insones.  A cada página, a crescente curiosidade supera qualquer resistência ao tema anjos e demônios.

Quem quer conhecer o destino do anjo caído, levanta a mão, digo... vai ler o livro!  

Sai quando nas livrarias?

Cotação: ***** 


Adquira para leitura em: 


segunda-feira, 5 de setembro de 2016

EM NOME DE DEUS





Título original: The Magdalene Sisters

Direção: Peter Mullan

Elenco: Anne-Marie Duff, Nora-Jane Noone, Peter Mullan

Nacionalidade: Irlanda, Reino Unido.



Sabe aquele filme que você pegou pela metade quando passou pela TV? Aquele filme que deixou lacunas na sua memória e você se prometeu decifrar mais adiante? Pois é, foi o que aconteceu com EM NOME DE DEUS.

O interessante é que quando comecei a assistir ao filme irlandês pela segunda vez, não me dei conta de que era aquele

O filme é inspirado nas instituições chamadas de Asilos de Magdalena, que existiram na Europa e na América do Norte, desde o século XIX até 1996. Estima-se que cerca de 30.000 mulheres passaram por essas instituições punitivas.

A história começa na década de 60, mais precisamente em 1964 (a data me é bastante familiar), na Irlanda, jovens são condenadas a viverem em um convento como punição dos seus pecados. Margaret (Anne-Marie Duff), apesar de ter sido vítima de um estrupo, cometido durante uma festa por seu primo, acaba sendo arrastada para o convento. Bernardette (Nora-Jane Noone), cujo único pecado parece ser o de primar pela beleza e chamar a atenção dos homens, também é levada para o julgo das freiras. Há também duas mães solteiras, desprezadas pela família e pela sociedade, que recebem a chance de purgar suas maculas: Rose (Dorothy Duffy) e Crispina (Eileen Walsh).

Apesar do convento não ser uma prisão oficial, a pena imputada a essas jovens não tem prazo determinado. Lá, elas são submetidas a uma disciplina bastante rígida, trabalhos forçados na lavanderia, castigos físicos pesados. Isoladas do mundo, as internas são conhecidas como "as irmãs Magdalena", em referência à Maria Madalena. O filme revela todo o peso da intolerância, da humilhação sofrida sob a austeridade e ausência de caridade das madres.

A fotografia funciona bem, principalmente no início do filme que me enganou com uma singeleza inexistente. Mais adiante, uma cena com o padre, “não um homem de Deus”, conseguiu me fazer rir pelo inusitado e soltar um suspiro acompanhado de “bem feito”. A interação e cumplicidade (forçada pela convivência) das moças também ameniza a trama pesada.

É um filme agradável de assistir? Não, não é. Um tema difícil, que esbarra em tabus e preconceitos ainda perceptíveis nos dias atuais. No entanto, a fita prende a atenção, pois todos querem conhecer o destino das jovens “heroínas”. Chance de final feliz? Depende de como você encara a trama apresentada. Pelo menos, eu cumpri minha promessa: filme visto inteiro e sem pausas. 


Cotação: ***