domingo, 28 de agosto de 2016

O CALOR DAS COISAS (Nélida Piñon)





  • Gênero: contos, ficção, literatura nacional
  • Autor: Nélida Pinon
  • Editora: RECORD

O calor das coisas é um dos meus livros preferidos. Uma obra que faz parte da minha formação de leitora e escritora. Inspirei-me, descaradamente, em Nélida Piñon. Eu era bastante jovem quando ganhei este livro de uma amiga.

A primeira impressão que tive ao ter o livro nas mãos foi de agradável surpresa com o título. São treze contos tecidos com muita habilidade, retratando histórias a partir da visão peculiar da autora, através de um discurso tingido de humor e ironia.  Nélida Piñon desnuda a alma de seus personagens, com a sensibilidade de quem aprecia a vida, mostrando ao leitor o seu próprio reflexo. 

Página a página, o leitor encontra belas imagens construídas e apresentadas com naturalidade.  A prosa é carregada de poesia e crítica, marcando os personagens com uma racionalidade sensual, como uma provocação premeditada. 

O calor das coisas, o conto que dá nome ao livro, ao contrário do que pensei ao ler o título, não fala de nada “quente”. Não no sentido sensual de “calor”, pelo menos. A história fala de Oscar, apelidado de “pastel” na infância por causa da gordura. Adora comer pastéis, beirando à compulsão. Na trama, percebemos uma relação neurótica entre o menino, a mãe e a comida. A mãe finge ignorar o problema do peso do filho, atribuindo um valor maior à alimentação, como símbolo do seu amor maternal. Oscar, então, come para agradar a mãe, pois não quer recusar o afeto traduzido pela comida. Há a formação de um absurdo triângulo vicioso que prende o filho à mãe através da comida, tornando-o cada vez mais obeso e dependente da mãe, que também não consegue imaginar uma vida sem o filho perto de si. 

O conto I love my husband trata da relação entre uma mulher e o seu marido, através de uma visão cheia de ironia.

Eu amo meu marido. De manhã à noite. Mal acordo, ofereço-lhe café. Ele suspira exausto da noite sempre mal dormida e começa a barbear-se. Bato-lhe à porta três vezes, antes que o café esfrie. Ele grunhe com raiva e eu vocifero com aflição. Não quero meu esforço confundido com um líquido frio que ele tragará como me traga duas vezes por semana, especialmente no sábado. 

Disse um Campônio à sua amada, é um conto que poderia ser definido como uma bela declaração de amor. Um homem do campo transmite a delicadeza dos seus sentimentos à mulher amada:  

Assim, eu faço discreto pedido, não me arraste contigo quando te fores. Ou não me aceites, ainda que te peça para seguir o teu caminho. Não quero despojar-me de um coração que te ofereci com tanta opulência. (...) Do teu camponês que se despede sem saber que é para sempre.

Apesar da falta de diálogos em todo o texto, a narrativa não se torna monótona pois cada personagem apresenta seus monólogos e o silêncio é preenchido pelas reflexões do próprio leitor.  

O discurso da autora transborda em uma ironia refinada, às vezes, renegando antigos valores e revelando um tom político, como em O Jardim das Oliveiras, primeiro conto da obra, traz uma alusão a Cristo.  A narração, feita na primeira pessoa, conta a história de um preso torturado, levado a  examinar os horrores da ditadura e a covardia moral ao seu redor. O protagonista do conto tenta negar a si mesmo, assim como Pedro negou a Jesus. 

Os contos envolvem e instigam a curiosidade, sem que o leitor se dê conta da armadilha feita de palavras. O amor dentro dos relacionamentos, passionais ou não, os sentimentos com suas provocações e consequências. Uma leitura que vale a pena, do princípio ao fim. 

Cotação: *****

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domingo, 21 de agosto de 2016

LIGADOS PELO AMOR

 
Título original Stuck in Love
Direção: Josh Boone
Elenco: Greg Kinnear, Jennifer Connelly, Lily Collins
Nacionalidade: E.U.A.
 
Filme classificado como uma comédia dramática. Confesso que achei a definição bastante bipolar. Aí, fiquei na dúvida se deveria rir ou chorar, mas como não sou mulher de lágrimas vãs, decidi apenas apreciar o filme. E curti muito, muito mesmo.
A trama apresenta um escritor famoso (Greg Kinnear) que vive uma relação obsessiva com a ex-esposa (Jennifer Connelly), a ponto de espioná-la na sua nova casa. A filha, Samantha (Lilly Collins), ao mesmo tempo que vive um momento feliz com a publicação de seu primeiro livro, enfrenta uma relação bastante conflituosa com a mãe. Já o irmão mais novo, Rusty (Nat Wolff),  lida com as frustrações do primeiro amor. 
A literatura paira sobre os personagens como uma nuvem, ora trazendo a sombra necessária, ora causando bruscas tempestades. Bill Borgens incentiva (quase obriga) os filhos, desde pequenos, a escreverem diários para desenvolver o seu gosto pela literatura. 
Talvez, muitos considerem Ligados pelo Amor um filme mais apropriado para a sessão da tarde com pipoca e aditivos químicos. É um desses casos em que você começa a assistir às primeiras cenas sem a menor intenção de levar a sério e, quando vê, já está grudado na tela. No meu caso, na tela do computador. Tem clichês? Tem sim, senhor. Tem sentimentalismo? Tem também.
Como bônus, pelo menos para mim, o ator Greg Kinnear surge na tela como um sósia do autor moçambicano Mia Couto. Bem parecido, ainda mais fazendo o papel de um escritor . Adorei.
Ligados pelo Amor mostra o amor em suas várias facetas : entre pais e filhos, namorados e irmãos, trazendo reflexões sobre a real qualidade dessas relações tão íntimas e, ao mesmo tempo, tão frágeis. 
Um filme que vale a pena ver, que pode fazer você parar um pouco e pensar no que está fazendo da sua vida.  
 
Cotação: ****

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Retratos Falados dos Meus Amores Impossíveis






Livro com doze contos que abordam os sentimentos, em suas várias formas e nuances - das mais banais às mais densas. Cada história traz um ponto de vista particular das relações pessoais. Um universo tão rico que torna praticamente impossível ao leitor não se identificar com os personagens e seus conflitos.
Em Ela, conto que abre este livro, Fabio Baptista apresenta uma narrativa curta, na qual um gesto usual - tomar um café - traz lembranças e reflexões mais profundas. O estilo simples, direto e sensível do autor nos aproxima da narrativa e, quando nos damos conta, estamos sentados ao lado da personagem, mergulhados em seu monólogo.
Os contos, na sua grande maioria, apresentam forte carga emocional, provocando tensão do começo ao fim. Cada narrativa, mesmo quando suavizada por toques de ironia, mantém um fio condutor esticado ao limite, prestes a arrebentar. São as emoções dos personagens que dominam e surgem ternas como na relação entre pai e filho (Coisas que Lembraremos Antes de Ver o Pôr do Sol) ou bastante densas, quando ligadas a traumas do passado (Memórias de uma Bruxa).  
O leitor encontrará um pouco de tudo, desde os sonhos e lembranças da infância (Saudade de Voar) à melancolia de uma frustração amorosa (Mil Pedaços de um Coração Tatuado à Nanquim). Através de seus contos, aparentemente simples e sem grandes pretensões, Fabio Baptista leva o leitor a rever questões essenciais da vida de todos nós. São os retratos falados (e escritos) das intrincadas ligações amorosas, que esbarram em alguns clichês, mas o que é a vida senão um grande clichê?
Para os mais impacientes (ou preguiçosos), há o micro conto Motivo que, em pouquíssimas linhas, revela uma trama de várias camadas, sem desperdiçar uma única palavra. Não há espaço para explicações desnecessárias.  O cotidiano, o abandono e a frustração condensados em só um sopro, ou melhor, em um belo tapa na cara.
Todas as histórias remetem a casos contados sem reservas, dessas coisas que se fala em uma conversa entre amigos. Uma confissão do que se viveu e observou em relacionamentos duradouros ou fugazes, paixões frustradas, experiências que se transformaram em lembranças ou cicatrizes. A diferença aqui é a habilidade do autor no emprego das palavras, apresentando um panorama quase real para cada história. Pura ficção? Só o autor poderá responder.
Retratos Falados dos Meus Amores Impossíveis, uma leitura interessante, para ser feita sem pressa. Uma trilha pela vida como ela é, diria Nelson Rodrigues. Eu acrescentaria: vida como a nossa vida, a vida de qualquer um. .
Ao terminar a leitura, entre um engasgo e outro, um lacrimejar disfarçado, o leitor encontrará bons motivos para sorrir, e provavelmente, sinta uma estranha e agradável sensação de familiaridade: acho que já vivi isso.  

AVALIAÇÃO: ****

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